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Sex, 27 Jul 2018 15:31:00 -0300
Proteger estoques de carbono pode não resultar em proteção à biodiversidade
Estudo inédito demonstra que mais carbono significa mais biodiversidade em florestas severamente danificadas, no entanto, em florestas com menor interferência humana, quantidades crescentes de carbono podem não ser acompanhadas por mais espécies. A pesquisa integra o programa PELD do CNPq.As florestas tropicais são ricas em carbono e também em biodiversidade. Por conta das alterações climáticas induzidas por ação humana, são crescentes os gastos com a proteção do carbono das florestas tropicais. Mas essas medidas também garantem a sobrevivência das espécies que habitam as florestas?
Um estudo publicado hoje na renomada revista Nature Climate Change sugere que a resposta a esta pergunta não é tão simples. A pesquisa, realizada no âmbito da Rede Amazônia Sustentável (RAS), uma rede internacional de cientistas de diversas instituições e integrante do Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi liderada por pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental e do Centro de Meio Ambiente da Universidade de Lancaster (Reino Unido). O grupo descobriu que os investimentos destinados a evitar perdas maciças de carbono em florestas tropicais são provavelmente menos eficazes para a biodiversidade nas florestas de maior valor ecológico. Para a surpresa do time de pesquisadores, nestas florestas (que são as mais preservadas), até 77% das espécies que teriam sido protegidas por meio de ações voltadas à conservação da biodiversidade, não seriam protegidas no caso de medidas centradas exclusivamente na proteção dos estoques de carbono.
"Proteger os estoques de carbono das florestas tropicais deve permanecer um objetivo central em políticas internacionais de conservação", afirma Joice Ferreira, uma das líderes do estudo, bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e pesquisadora da Embrapa. "Esse tipo de medida não apenas pode desacelerar as alterações climáticas, como também tem o potencial de proteger a vida selvagem única e insubstituível das florestas tropicais como a Amazônia. No entanto, para garantir que tais espécies sobrevivam, a biodiversidade precisa ser tratada como foco central dos esforços de conservação - tanto quanto o carbono".
As florestas tropicais são fundamentais para o planeta
As florestas tropicais armazenam mais de um terço de todo o carbono terrestre do mundo. Fenômenos causados por ação humana, como o desmatamento e as perturbações florestais (extração de madeira, caça, incêndios e fragmentação florestal) podem provocar a liberação do carbono e exacerbar os efeitos das mudanças climáticas globais.
Por essa razão, a proteção do carbono das florestas tropicais é uma das principais metas das iniciativas internacionais de combate às alterações climáticas, atraindo dezenas de bilhões de dólares em financiamento todos os anos.
A relação entre carbono e biodiversidade
Para chegar às principais conclusões do estudo, a equipe internacional, composta por cientistas de Brasil, Europa e Austrália, passou 18 meses realizando medições do conteúdo de carbono e da variedade de espécies de plantas, pássaros e besouros em 234 áreas de florestas tropicais na Amazônia brasileira.
Em uma primeira etapa, foram avaliados os níveis de carbono e de biodiversidade em áreas ao longo de um gradiente florestal (os variados graus de interferência humana): desde as florestas conservadas até aquelas crescendo após a completa supressão da vegetação pelo desmatamento. De posse dos dados inéditos, a equipe descobriu que mais carbono significava mais biodiversidade em florestas severamente danificadas, como previsto. Contrariando as expectativas, no entanto, onde os impactos humanos eram menos intensos, quantidades crescentes de carbono não eram acompanhadas por mais espécies.
Para Gareth Lennox, pesquisador-sênior da Universidade de Lancaster e também um dos líderes da pesquisa, "a mudança na relação entre carbono e biodiversidade entre as florestas que sofreram diferentes níveis de distúrbios provocados por ação humana explica nossas descobertas. Conforme as localidades desmatadas e altamente perturbadas se recuperam dos efeitos do uso agrícola e de incêndios florestais graves, a biodiversidade também se recupera. No entanto, essa relação direta entre carbono e biodiversidade perde-se na etapa intermediária da recuperação. O resultado: as florestas com o maior teor de carbono não abrigam necessariamente mais espécies, o que significa que a conservação focada exclusivamente no carbono pode deixar de lado áreas bastante biodiversas das florestas tropicais."
Foco duplo: na biodiversidade e no carbono
Juntamente com as descobertas mais preocupantes, o estudo oferece esperança para o alinhamento dos esforços de conservação de carbono e biodiversidade. "Embora algum nível de perda seja inevitável, os conflitos de estratégia entre o carbono e a biodiversidade podem ser reduzidos por um planejamento mais integrado", explica Toby Gardner, pesquisador-sênior do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI, na sigla em inglês), na Suécia, um dos coautores do trabalho científico. "Ao considerar carbono e biodiversidade juntos, descobrimos, por exemplo, que o número de espécies de árvores grandes que podem ser protegidas aumenta em até 15% em relação à abordagem com foco exclusivo no carbono. Em contrapartida, nessa mesma situação, há redução de apenas 1% de carbono."
Embora ferramentas promissoras de sensoriamento remoto estejam sendo desenvolvidas para medir o carbono florestal, promover a proteção da biodiversidade por meio de investimentos focados em carbono só será possível com o monitoramento extensivo em campo. No entanto, no Brasil, o progresso nessa área tem sido extremamente aquém do necessário. Joice Ferreira descreve a situação: "Como país megadiverso, o Brasil precisa de mecanismos adicionais e integrados para garantir um monitoramento abrangente de sua biodiversidade. Infelizmente, as ações do atual governo tem reduzido a capacidade científica e a extensão da proteção ambiental, ou seja, estamos no caminho oposto do ideal".
Em última análise, a redução dos efeitos das mudanças climáticas exige a salvaguarda da biodiversidade. O professor Jos Barlow, da Universidade de Lancaster, explica: "A biodiversidade e as alterações climáticas estão intrinsecamente ligadas quando se fala em florestas tropicais. Um clima mais quente e mudanças nos padrões de chuvas levarão à extinção de muitas espécies tropicais e é importante lembrar que o carbono florestal reside na biodiversidade das florestas tropicais. A pobreza de espécies resultará inevitavelmente em pobreza de carbono. O enfrentamento da crise climática requer a proteção de ambos simultaneamente".
O artigo científico, Ferreira & Lennox et al. (2018), A conservação focada exclusivamente no carbono pode deixar de proteger as florestas tropicais mais biodiversas (Carbon-focused conservation may fail to protect the most biodiverse tropical forests), está disponível online no Nature Climate Change (DOI: 10.1038/s41558-018-0225-7). Os autores estão disponíveis para entrevistas em inglês e português. Informações para contato abaixo:
Para mais informações:
Joice Ferreira (autora principal) EMBRAPA, Brazil: joice.ferreira@embrapa.br
Toby Gardner (coautor) Instituto Ambiental de Estocolmo, Suécia: toby.gardner@sei-international.org
Gareth Lennox (autor principal) Universidade de Lancaster, Reino Unido: g.lennox@lancaster.ac.uk
Jos Barlow (coautor) Universidade de Lancaster, Reino Unido: jos.barlow@lancaster.ac.uk