Entrevistas

 

foto Leila Maria BeltraminiA doutora em Bioquímica Leila Maria Beltramini não se contenta em apenas fazer ciência. Tão importante quanto é divulgar ao público leigo os avanços que ocorrem a todo momento nos campos da ciência, tecnologia e inovação. Mais do que isso, dedica-se também ao ensino de ciências a professores e alunos dos ensinos fundamental e médio. Beltramini é pesquisadora em Produtividade em Pesquisa do CNPq e Livre Docente pelo Instituto de Física de São Carlos-USP, onde é professora associada (sênior) junto ao grupo de Biofísica Molecular Sérgio Mascarenhas. Atua em duas áreas de pesquisa: Biofísica Molecular e Espectroscopia, com ênfase em estudos sobre Estrutura, Função e interação de Proteínas e Peptídeos com sistemas miméticos de membranas; Educação e Difusão de Ciências, com ênfase na área de Biologia Molecular Estrutural e Biotecnologia. Desde janeiro é professora visitante da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) junto aos campi de Sorocaba e São Carlos. Ela deu a seguinte entrevista à Aba Popularização da Ciência do CNPq

1.               A senhora é doutora em Bioquímica. Como surgiu seu interesse por esta área?

Desde o curso de graduação imaginava seguir ensinando/pesquisando e à medida que cursava diferentes disciplinas me interessava por elas. A primeira foi bioquímica, depois fisiologia, depois imunologia até bioestatística, com toda matemática associada, aguçavam minha curiosidade. No último ano da graduação fui atrás de cursos de Pós Graduação na área de Imunologia, acabei chegando ao Instituto de Biologia na UNICAMP, onde tive contato com pesquisa em imunoquímica, estudando estrutura de imunoglobulinas. Daí para a bioquímica foi um "pulinho". Acabei estagiando no recém instalado (na época, 1975) laboratório de Química de Proteínas, Depto. Bioquímica da FMRP, para aprender técnicas da área e montá-las em Campinas. Bem, acabei entrando depois na PG deste Depto. onde fiz Mestrado, Doutorado, e um Pós Doc na área de Farmacologia Bioquímica.

2.               Além de pesquisadora renomada, a senhora dedica-se à divulgação científica. Os cientistas deveriam se preocupar em divulgar para o público leigo o resultado de suas pesquisas?

O desenvolvimento social nos países onde o trinômio educação/ciência/tecnologia não andam juntos é muito lento, e nosso desenvolvimento prova isso. Nós temos uma enorme dívida social porque fazemos pesquisas financiadas fundamentalmente com recursos públicos. Assim, a sociedade tem o direito de saber os resultados de nossos trabalhos, e esta informação tem que ser dada pelos cientistas, que podem ser auxiliados pelos jornalistas, pois a linguagem precisa ser adequada ao público que se destina.

3.               Nesta semana comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Pode-se dizer que, hoje, a mulher está plenamente engajada na área científica?

Sim e não: hoje as mulheres estão plenamente engajadas em quase todas as áreas das ciências, porém nas exatas ainda há predomínio masculino, sem falar nos cargos de condução das políticas científicas onde somos minoria absoluta.

4.               Até pouco tempo era patente a discriminação contra a mulher no meio científico. "Ciência é coisa de homem". Essa situação ainda perdura?

Atualmente creio que esta visão esta um pouco mais minimizada. Mas se você pede para uma criança ou jovem desenhar um cientista a figura que aparece em mais de 90% dos casos é masculina, assim como na figura de professor predomina a feminina.

5.               São vários os cientistas que se dedicam à divulgação científica, entre eles Roberto Lent, Antonio Carlos Pavão, Leopoldo de Méis, Vanderlei Bagnato e outros. Entre as mulheres, me vem à mente o seu nome e o de Suzana Herculano. Há muitas outras mulheres-cientistas que realizam esse tipo de atividade? Ou esse é um trabalho onde o gênero masculino é predominante?

Tenho que concordar com você e acrescento nomes que sempre devem ser lembrados: o professor José Reis, que pode ser considerado pioneiro nesta área em nosso país, um cientista mais recente, o prof. Ildeu de Castro que "revigorou" a Divulgação Científica (DC)  no Brasil. A Suzana vem à sua mente porque ela fez o cominho inverso: foi contratada na universidade (UFRJ) para fazer DC, depois engajou-se na pesquisa.

6.               Como e quando surgiu seu interesse pela divulgação científica?

Tenho que confessar que fomos "induzidos" a trabalhar com educação científica, porém sempre gostei de me envolver com organização de disciplinas para cursos de graduação. Em 1998-1999, com o edital da FAPESP dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão Científica (CEPID), os projetos eram um tripé que tinham que contemplar as três vertentes. Naquela época elaboramos a parte de Educação e DC de um dos CEPIDs que foram apoiados pela FAPESP. Elaboramos e executamos a proposta muito bem e sempre recebeu pareceres destacados nas avaliações de comitês nacionais e internacionais. Desde então temos atuado fortemente nesta área, difundindo não só nosso trabalho, mas de outros grupos que se dedicam à DC no Brasil.

7.               Atualmente, quais são as principais atividades de divulgação científica que realiza?

Eu digo que atuamos em Educação e Difusão Científica, pois desenvolvemos materiais inovadores para o ensino das ciências da natureza. Vão desde peças para montagem de estrutura de DNA, Aminoácidos e Proteínas, jogos impressos e virtuais, e nos últimos três anos jogos e aplicativos multimídias, para web e dispositivos móveis, sob diferentes temáticas tem sido nosso foco. Outra frente é ministrar cursos de educação continuada para professores do ensino fundamental e médio, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e outros estados do país. Nestes últimos, fazemos parcerias com professores de Universidades, que fazem parte de nossos projetos. Eles recebem treinamento e passam a realizar atividades semelhantes em seus estados. Ainda mantemos um Espaço Interativo de Ciências (EIC) instalado no centro da cidade de São Carlos, onde estudantes e professores podem visitar exposições e participar de oficinas e de um Clube de Ciências dedicado a alunos das escolas públicas da cidade de São Carlos. Todo material produzido e atividades realizadas estão disponíveis para download em nosso portal http://eic.ifsc.usp.br.

8.               Qual a importância de se engajar na atividade de divulgação científica?

O interessante é que para muitos de nossos pares o cientista que se engaja em DC deixa a "hard Science" (que eu chamo de pesquisa de bancada) de lado. Assim, a importância em se engajar em DC tem um cunho particular e pessoal, somente recentemente é que encontramos "abas" no CV Lattes para que possamos registrar tais atividades. Esta atitude do CNPq veio valorizar e incentivar a realização de tipo de atividade por nossos colegas cientistas.

9.               A senhora participa de um projeto desenvolvido no Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP) onde são utilizados recursos interativos para estimular o aprendizado e o interesse de alunos do ensino fundamental e médio. Como isso é feito?

Piaget e Vigostik demonstraram cientificamente que a experiência lúdica é insubstituível como método de aprendizagem, além de influir no ensino e formação do cidadão como um todo. Em resumo, procuramos despertar a curiosidade e orientar o estudante para que eles mesmos busquem a resolução dos desafios propostos através do método científico. Com a produção dos materiais procuramos dar ferramentas para os professores trabalharem diferentes temáticas em salas de aulas. Entendemos que a escola, através dos professores do ensino básico, podem incentivar o interesse e a curiosidade dos jovens pelas ciências. Assim investir e incentivar o professor, dando especial atenção aos cursos de formação de professores e aos de educação continuada, é também um de nossos alvos principais. Vemos a Universidade não só como formadora do professor, mas como parceira constante em sua educação continuada. Já no EIC os estudantes podem interagir com diferentes aspectos das ciências da natureza e perceber que os fenômenos não são específicos de uma única área, mas dependem do conhecimento de diferentes disciplinas. A interdisciplinaridade faz parte do cotidiano em nossos clubes de ciências.

10.          Falar de proteínas recombinantes, moléculas de RNA e DNA, aminoácidos ou doenças negligenciadas para alunos do ensino fundamental e médio requer uma aula especial. Quais os recursos didáticos utilizados?

Utilizamos experimentos onde os estudantes é que "colocam a mão na massa" e fazem investigação. Depois vem o desafio de entender como é a estruturas daquelas moléculas com as quais eles trabalharam no laboratório. Para isso são utilizados nossos kits "lego like", além de aplicativos e jogos interativos sobre células, síntese de proteínas, algumas doenças negligenciadas. Nos cursos e oficinas ministrados para os professores mostramos a importância e os incentivamos a praticarem o método científico em suas aulas com os materiais que desenvolvemos para auxiliá-los.

11.          No centro de São Carlos, foi montado o Espaço Interativo de Ciências (EIC), em um imóvel adquirido pela USP. Como funciona esse espaço?

No EIC temos exposições temáticas/lúdicas sobre proteínas recombinantes, biotecnologia, doenças negligenciadas, prospecção de novos medicamentos, além de professores e estudantes poderem agendar visitas e participar de oficinas e cursos. Neste local funciona também o Clube de Ciências, destinados a alunos dos últimos anos do ensino fundamental e ensino médio. Alunos de licenciatura do campus USP São Carlos também têm oportunidade de vivenciarem suas práticas pedagógicas, uma vez que atuam como tutores tanto nos Clubes de Ciências, como no atendimento ao público durante as visitas. No Clube os estudantes interessados têm a oportunidade de vivenciar a prática da experiência científica, acompanhando experimentos como a criação de uma colônia de bactérias e a observação de micro-organismos no microscópio, entre outras atividades. Eles também têm a oportunidade de participar de viagens didáticas para espaços educativos como o Catavento, o Instituto Butantan, e a Estação Ciência, em São Paulo. No final do ano, eles apresentam um trabalho em um workshop e o melhor trabalho é premiado.

12.          Há muitas críticas em relação ao despreparo dos professores em ensinar ciências. A sua equipe realiza alguma atividade para mudar essa realidade?

Sim, como enfatizado anteriormente, um de nossos principais alvos são os cursos de atualização para professores em parceria com Secretarias Estaduais de Educação.

13.          Quais os principais problemas que o pesquisador brasileiro enfrenta quando faz divulgação científica?

A falta de reconhecimento pela maioria de seus pares no trabalho realizado. Outro aspecto são poucos os recursos financeiros destinados a este tipo de atividade, particularmente em algumas FAPs Estaduais.

14.          Quais ações precisariam ser desencadeadas para acelerar a prática de divulgação científica entre os pesquisadores?

Valorização das atividades pelos pares; envolver os alunos de Pós Graduação neste tipo de atividade; inserir como atividade dos Pós Graduandos pelo menos uma ação de DC ligada à sua temática de pesquisa; aumentar os recursos financeiros para a realização de DC em todos os cantos do país. Deveria ter um centro de ciências em cada micro região em todos os estados do país, se possível em cada município.

15.          O projeto desenvolvido por vocês tem apoio financeiro de órgãos como CNPq, Capes, Fapesp?

Sim, o CNPq tem um Comitê Assessor (CA-DC) e dezenas de editais são abertos e julgados durante o ano, apesar dos recursos serem ainda escassos. A FAPESP contempla bem esta área nos projetos CEPIDs, mas deveria destinar recursos específicos em outras modalidades de projetos, de modo que o coordenador se comprometesse com a DC na temática dos mesmos. A CAPES vem incentivando a aproximação da Universidade com o ensino básico através de inúmeros editais anuais.

17.          O que é mais gratificante: fazer ciência ou divulgação científica?

No meu caso os dois lados são gratificantes, inclusive porque também fazemos ciência na DC. Formar jovens cientistas e vê-los "alcançarem seus voos" é gratificante. Já a educação científica para nossa população, no tocante à formação do cidadão comum, tem o poder de instruí-lo e torná-lo um membro mais crítico e consciente em nossa sociedade.

Equipe Popularização da Ciência


Caricatura de Roberto LentAutor de uma vasta produção acadêmica, Roberto Lent também encontra tempo para se dedicar à divulgação científica, tanto ao público adulto quanto ao infantil. Formou-se Médico na Faculdade de Medicina da UFRJ em 1972, e graduou-se Mestre em Neurobiologia e Doutor em Ciências no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ em 1973 e 1978, respectivamente. Completou sua formação científica realizando estágio de Pós-doutoramento em Neuroplasticidade no Massachusetts Institute of Technology, entre 1979 e 1982. Após os anos de formação, dirigiu sua carreira profissional para três domínios diferentes: a pesquisa científica em Neurobiologia; a nucleação de grupos científicos de alta produtividade; e a divulgação científica. No domínio da divulgação científica, Roberto Lent fundou, junto com outros três colegas, a revista Ciência Hoje da SBPC, da qual foi Editor e autor durante muitos anos. A revista se transformou em um Instituto   com múltiplos veículos, de cujo Conselho é Presidente. O Instituto Ciência Hoje atualmente possui uma revista impressa e on-line para adultos, uma revista impressa e on-line para crianças, e publicauma série de livros escolares para-didáticos, além de outros projetos importantes. Lent também manteve a coluna Bilhões de neurônios na CH On-line entre abril de 2006 e dezembro de 2010publicada recentemente no livro Sobre Neurônios, cérebros e pessoas,lançado em 2011 pela Editora Atheneu. Lent deu a seguinte entrevista à aba Popularização da Ciência:

Quando teve início o seu interesse pela divulgação científica?

Comecei a me interessar por essa atividade logo que me formei em medicina (1972), e alguns anos depois fui escolhido secretário-regional da SBPC para o Rio de Janeiro, quando comecei a articular a possibilidade de criação de uma revista de divulgação científica da sociedade. Fizemos na época uma pequena série de conferências para o grande público, na Academia Brasileira de Ciências. Eram tempos de ditadura, e as pessoas tinham medo de falar e de se reunir. Funcionou com pequeno público, foi um começo.

Além das muitas atividades de divulgação científica, o senhor é um pesquisador atuante e tem uma vasta produção científica. Como o senhor consegue conciliar tantas atividades ao mesmo tempo?

Bem, é uma questão de organização do tempo, e a prática do trabalho em equipe. e além disso, uma atividade fertiliza a outra. Minha atuação em divulgação científica produziu um livro chamado "Cem bilhões de neurônios", número que não tinha sustentação científica embora fosse propalado em artigos e livros. Isso nos levou ¿ Suzana Herculano-Houzel e eu ¿ a inventar um novo método de contagem de neurônios no cérebro, e a descobrir que o cérebro humano na verdade tem uns 15% menos que os tais cem bilhões. O título do meu livro passou então a ter um ponto de interrogação. É um exemplo interessante da divulgação científica provocando a proposição de um projeto de pesquisa.

O senhor escreveu uma série de livros infantis chamada "As aventuras de um neurônio lembrador". Como e porque surgiu essa idéia?

A ideia surgiu de uma conferência que dei em uma região muito carente da periferia de São Paulo, em uma das reuniões da SBPC, para crianças de 8-9 anos de uma escola pública. Falei sobre células nervosas o tempo todo, e ao final uma das crianças me perguntou: "tio, existem células calmas?" Aí me dei conta que não tinha sido claro na minha exposição, e que precisava aprender a falar/escrever para crianças. A ideia foi amadurecendo, até que se tornou realidade.

Depois, esses livros foram adaptados para o teatro e quadrinhos. Como se deu esse processo?

A adaptação para quadrinhos foi imediata, por intermédio do ilustrador dos livros ¿ Flavio de Almeida, um craque da ilustração que fez parte da equipe da antiga revista Mad. A adaptação para o teatro ocorreu após eu ser procurado por um grupo de teatro infantil ¿ grupo Tibicuera ¿ que se propôs a roteirizar o livro e encenar a peça. O roteiro foi feito pela Claudia Valli, uma excelente roteirista da Rede Globo, com a minha colaboração. E a peça foi encenada algumas vezes no Rio de Janeiro, e levada a cidades do interior.

É mais importante divulgar ciências para crianças do que para adultos?

Não. Acho que os dois focos são importantes e têm que coexistir. As estratégias de divulgação, é claro, são diferentes. E os objetivos também: no caso das crianças, predomina o objetivo educacional; no caso dos adultos, a informação que garante o exercício da cidadania.

A maioria dos cientistas tem dificuldades de levar os resultados de suas pesquisas para o público leigo. Por que isso ocorre?

Falar para o público leigo é muito diferente da linguagem técnica. Há que aprender e treinar. Para um neurocientista, eu posso dizer "células de purkinje", e terei sido claro o suficiente. Para um adulto leigo eu diria "células motoras de uma região do cérebro chamada cerebelo". E para as crianças eu diria "bolinhas cheias de cabelinhos que moram dentro da nossa cabeça"... Nem sempre os cientistas se conformam com essa liberdade metafórica que temos que ter ao usar a linguagem de divulgação científica. Atualmente, há estímulos das agências financiadoras para isso, o que tem aumentado a participação dos cientistas nessa atividade, principalmente dos mais jovens.

O senhor tem uma estratégia própria para fazer divulgação científica?

Não, uso a minha intuição...

Que conselhos o senhor daria ao cientista que quisesse fazer divulgação científica?

Começar!

O senhor acha que o jornalista brasileiro está preparado para fazer divulgação científica?

Sim, já há excelentes jornalistas científicos em alguns dos principais jornais do país, e há sensibilidade das escolas de comunicação para desenvolver essa área. Talvez seja necessário mais, mas é uma questão de tempo e mercado.

Os museus de ciências são uma iniciativa eficaz para incentivar nas crianças o interesse pela pesquisa?

Muitíssimo. Os museus de ciências permitem que a criança tenha uma experiência interativa com a ciência, e desenvolvam o gosto pela experimentação. É muito diferente da divulgação científica que utiliza meios discursivos (livros, revistas). Na verdade, todos os meios de divulgar ciência são válidos e complementares. Já houve até mesmo divulgação científica em um desfile de escola de samba, no Rio de Janeiro, quando a Unidos da Tijuca desfilou com uma grande construção humana que simbolizava o DNA.

Quais são os principais desafios da divulgação científica hoje no Brasil?

Crescer, capilarizar a todos os segmentos sociais, entrar na escola pública, e manter sempre a riquíssima colaboração entre cientistas e comunicadores.

O senhor foi um dos incentivadores da criação da revista Ciência Hoje, da SBPC, em 1982. Como surgiu essa idéia?

Essa é uma história longa, que surgiu nos anos 1975-6, quando eu era secretário-regional da SBPC no Rio de Janeiro. Formamos um grupo de cientistas que elaborou um projeto de revista. O projeto foi levado adiante pelo secretário regional seguinte, Ennio Candotti, com apoio do CNPq. Tivemos que vencer até mesmo uma certa resistência da SBPC, que de vez em quando reaparece até hoje... Movia-nos o desejo de criar um instrumento de divulgação científica que estabelecesse uma ponte entre a ciência brasileira e o público. Na época só havia revistas traduzidas...

Depois foram criadas Ciência Hoje on Line, Ciência Hoje das Crianças e o Jornal da Ciência. Essas publicações foram bem recebidas pelo público?

Não só foram bem recebidas pelo público como fomentaram a criação de outros veículos produzidos por empresas privadas de comunicação. A Ciência Hoje das Crianças, atualmente, é lida por crianças que participam do programa Ciência Hoje de apoio à Educação, junto com várias prefeituras municipais de diversos estados. Esse é um projeto de grande impacto, que inclui também a formação de professores.

Havia alguma iniciativa de divulgação científica antes da Ciência Hoje?

Sim. o principal pioneiro foi José Reis, um dos fundadores da SBPC. Mas mesmo antes dele, Roquete Pinto fazia divulgação científica pelo rádio, e havia algumas iniciativas esparsas na imprensa em diferentes períodos. Mas nada massivo como hoje conseguimos no país.

Qual o veículo ideal para se fazer divulgação científica no Brasil?

Não acho que haja veículo ideal. Todos são válidos, pois atingem públicos distintos, têm possibilidades diferentes, e o conjunto se soma no esforço de aproximar a ciência do cidadão e da criança.

O senhor disse em artigo no Jornal da Ciência que é hora das instituições científicas falarem mais freqüentemente com a sociedade, especialmente as que representam a comunidade científica como é o caso da Academia. O que o senhor quis dizer com isso?

Quis dizer que a divulgação científica é uma obrigação social da comunidade científica ¿ a de prestar contas à sociedade das conquistas que realiza com o dinheiro público. Além disso, trata-se de prover informação qualificada aos cidadãos sobre temas que envolvem aspectos científicos, para que eles possam tomar decisões. Temas como o uso de animais em pesquisa, o aborto, o uso terapêutico de células-tronco, a energia nuclear, a proteção do meio ambiente, e muitos outros (praticamente todos!) podem ser objeto da investigação científica, e as conclusões em tese podem ajudar ao processo de tomada de decisões dos poderes da república.

Equipe Popularização da Ciência


foto de Massanori TakakiMassanori Takaki possui graduação em Biologia pela Universidade Estadual de Campinas(1977), mestrado pela Universidade Federal de São Paulo(1979), doutorado em Ciências Biológicas (Biologia Molecular) pela Universidade Federal de São Paulo(1983), pós-doutorado pela Universidade Agricola de Wageningen(1987) e pós-doutorado pela Universidade Agrícola de Wageningen(1983). Atualmente é Professor Titular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de Botânica, com ênfase em Fisiologia Vegetal, atuando principalmente nos seguintes temas: Fitocromo, Germinacao de Sementes, Luz, Lactuca Sativa, Rumex Obtusifolius e Cucumis Anguria. O professor Takaki deu a seguinte entrevista à equipe da aba Popularização da Ciência do CNPq:

O senhor criou uma página na internet com depoimentos de mais de 30 botânicos. Por que o senhor tomou essa iniciativa?

Na verdade foram 37 entrevistas gravadas, sendo que 36 estão on-line. A ideia do projeto surgiu após ouvir um poema declamado por Manoel Bandeira, gravado na década de 30. Achei incrível ouvir a voz do Manoel Bandeira. Prontamente imaginei que seria algo interessante se eu gravasse as entrevistas com os Botânicos brasileiros que iniciaram linhas de pesquisas novas, ou mesmo que formaram Botânicos que estão em diferentes regiões do Brasil. Logicamente pensei em gravar em vídeo, pois teríamos o pesquisador contando a sua própria trajetória acadêmica e científica. Iniciei este projeto em janeiro de 2011, gravando a primeira entrevista com o Dr. Alfredo Gui Ferreira, na UFRGS. A ideia do projeto era gravar as entrevistas no próprio ambiente de trabalho do pesquisador, pois o gabinete mostra, de uma certa forma, a personalidade do pesquisador. Entretanto, muitos dos entrevistados estão aposentados e acabei realizando as gravações nas residências deles. Todas as entrevistas estão disponíveis no seguinte endereço: HTTP://www.filmesnajanela.com.br/botanica

O senhor teve algum tipo de apoio institucional para criar sua página na internet?

Não tenho apoio institucional para criar as páginas da internet. Aliás, criei as páginas utilizando uma linguagem simples em HTML minimalista, bastante simples. Para isso tive que aprender a escrever os códigos fontes para que os vídeos pudessem ser reproduzidos nas páginas. Inicialmente coloquei os vídeos em um servidor que adquiri e que está localizado na universidade onde eu trabalho. Posteriormente, comecei a postar os vídeos no YouTube. Tive que registrar um domínio e alugar um espaço no servidor externo. Infelizmente, não existe linha de financiamento em órgãos de fomentos para projetos semelhantes, sobre a memória da ciência brasileira. É uma pena.

Iniciativas desse tipo ajudam a promover a popularização da ciência?

Creio que sim, ao mesmo tempo em que tentamos aproximar a ciência à sociedade, as entrevistas servem como fontes de pesquisa, sobre uma época ou sobre uma determinada área da ciência. Por exemplo, gravei uma entrevista com a Dra. Berta Lange de Morretes, que atualmente está com 95 anos de idade e há 72 anos ministra aulas de botânica na USP. Um exemplo de pesquisadora que conta as dificuldades para cursar a graduação em História Natural. Especificamente esta entrevista não está disponível ainda, porque ela solicitou que eu  enviasse a entrevista transcrita - e somente recentemente consegui a transcrição.

O senhor acha que o cientista brasileiro deveria se preocupar mais em divulgar os resultados de suas pesquisas ao público leigo?

Sim, certamente o retorno do financiamento da pesquisa deve ser dado à sociedade, que financia os projetos de pesquisa. Uma forma de mostrar o que é feito com os recursos públicos é a divulgação científica em uma linguagem que o público consiga entender. Iniciei outro projeto, denominado 1 Minuto de Ciência em Vídeo (HTTP://minuto.rc.unesp.br/1minuto ), também com vídeos disponíveis on-line. Este projeto tem o apoio da minha universidade, a UNESP, na forma de bolsa de estudos a aluno de graduação que a Pró-Reitoria de Extensão disponibiliza, além do uso da internet e o equipamento de gravação dos vídeos. Um dos vídeos disponíveis, sobre hidroponia de alface, tem mais de 64 mil acessos, de 143 países, em três anos, indicando a importância do formato de vídeo de divulgação nas buscas de informações realizadas pela população em geral. Hoje, após 30 anos trabalhando na universidade, eu acho que temos obrigação de prestar contas para a sociedade que nos paga. E uma das formas é a divulgação científica.

Como incentivar os pesquisadores a fazer divulgação científica?

A divulgação científica não é valorizada nas avaliações acadêmicas. Assim, em vista de que a publicação em periódicos é altamente induzida, poucos pesquisadores se preocupam em realizar a divulgação científica. Considero isto uma pena, pois temos excelentes pesquisadores que têm dificuldade em se comunicar com a sociedade, pois a ciência tem uma linguagem própria. Por outro lado, a valorização da divulgação científica poderia despertar a vocação de alguns pesquisadores.

A divulgação científica no Brasil ainda é incipiente?

Sim, está incipiente, apesar de que o jornalismo científico cresceu bastante nos últimos anos.

O jornalista brasileiro está preparado para fazer divulgação científica?

O jornalismo científico é uma das áreas do jornalismo e, como em qualquer ciência, existem especialidades. Tendo eu uma formação em fisiologia vegetal, terei dificuldades em escrever um texto de anatomia de plantas. Da mesma forma isso acontece com o jornalismo. Felizmente existem vários programas de pós-graduação em jornalismo científico.

Que conselhos o senhor daria a quem quer fazer divulgação científica?

Existem muitos blogs de ciências disponíveis na internet, alguns com informações corretas e outros que simplesmente copiam textos de outros blogs. Assim, um pesquisador deve realizar a divulgação científica com a chancela de sua instituição que dará credibilidade às informações lá veiculadas.

Iniciativas como a criação de museus e centros de ciência e exposições itinerantes dão bons resultados?

Sim, certamente. Devemos sempre trabalhar a curiosidade do ser humano. Temos exemplos que têm funcionado muito bem como a Estação Ciência, da USP. Na minha universidade temos iniciativas que atraem alunos do ensino médio, como o Show de Física e de Química.

O que o senhor acha do ensino de ciência nas primeiras séries escolares?

Impossível fazer generalizações. Mas existem propostas de currículos para o ensino fundamental e médio, nos quais é estimulada a compreensão das diferentes áreas da ciência por meio de textos, figuras e outras mídias.

Os professores estão preparados para isso?

Particularmente não posso opinar sobre este assunto, pois não tenho contato com estes professores. Entretanto, ministramos aulas para os futuros professores com informações atuais e estimulamos que os alunos façam as correlações das informações dadas com os processos que ocorrem na natureza. Assim, caberá aos futuros profissionais trabalhar as várias questões na sala de aula e passar aos alunos a compreensão dos fenômenos de cada área.

O que o senhor acha do programa Reflora, que tem por objetivos o resgate histórico e a criação de herbário virtual de imagens e informações de amostras da flora brasileira que se encontram no exterior?

O projeto Reflora, uma iniciativa do CNPq, é excelente, pois possibilita que o pesquisador possa analisar o material de trabalho virtualmente, acessando imagens de alta definição. Logicamente isto não substitui a análise do material físico que, dependendo da espécie, serão ainda necessárias as missões em herbários. O recentemente lançado Herbário Virtual Reflora, hospedado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, já mostra a importância desta iniciativa.

Os botânicos aplaudiram essa iniciativa?

Sim, nós como botânicos, achamos excelente esta iniciativa. Pois, além do resgate na forma de imagens dos exemplares de plantas de espécies brasileiras levadas por pesquisadores para o exterior, temos as informações a elas relacionadas, como locais e datas das coletas, bem como dos coletores.

Os vídeos com as entrevistas podem ser acessados em:

http://filmesnajanela.com.br/botanica/

Equipe Popularização da Ciência


foto de Vanderlei BagnatoVanderlei Bagnato é bolsista de produtividade em pesquisa 1A do CNPq, professor titular da Universidade de São Paulo e coordenador da Agência USP de Inovação. Concluiu simultaneamente em 1981 o curso de física, na USP, e engenharia de materiais (UFSCar), e começou, em 1987, o doutorado em física em Massachusetts Institute of Technology. Coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Óptica e Fotônica - programa do CNPq em parceria com diversas instituições -, que, além das atividades de pesquisas, desenvolve ações de comunicação pública da ciência por meio de uma programação durante 24 horas em um canal de televisão, elaboração de livros, kits educativos e eventos em escolas.

O senhor concluiu simultaneamente o curso de física e engenharia de materiais e em seguida o doutorado em física em Massachusetts Institute of Technology. Como surgiu seu interesse pela ciência?

Desde jovem fui muito interessado pela ciência. Tive uma infância modesta, mas rica em conteúdo. A natureza sempre me despertou muitas questões. Apesar de gostar de leitura, gostava mais de experimentar. Ainda quando jovem, montei meu próprio laboratório, onde tinha um microscópio e uma montanha de produtos químicos. Naquela época ainda não era proibido utilizar compostos químicos, e eu abusei muito disto tudo. Quando ainda no ginásio, participei dos antigos congressos de Jovens Cientistas do antigo Funbec ¿ Ibec. Apesar de ser apaixonado pela física e matemática, sempre tive interesse pelas outras ciências também. Acabei como queria: cientista procurando dar a ciências cada vez mais uma relevância social. Acho que minhas atividades de hoje refletem minhas reflexões do tempo de infância e adolescência. Ao ir para o MIT, notei que poderia ir ainda mais longe, incentivando o uso da ciências para a geração de riquezas. Foi assim que, além de cientistas, me tornei também num empreendedor, com grande paixão pela inovação tecnológica. Acho que sempre fui motivado a ir além de ser um espectador em ciências.

Como começou o seu interesse em fazer divulgação científica?

Todo cientista que acredita que seu trabalho é importante quer divulgá-lo. Assim todo cientista é um divulgador. Alguns, como eu, acham que ciências levadas às pessoas comuns, somente melhora sua vida. Não acho que ciências é só para cientistas, ciências é para tirar pessoas da ignorância. Desde cedo, quando ainda adolescente, sempre gostei de divulgar ciências. Acredito que para ser bom em algo, temos que fazer muito daquilo. Até escrevi uma matéria chamada Futebolizando a Ciências, onde mostro como é importante ser bom em algo que os outros reconhecem. Somos bons no futebol, pois nossas crianças praticam todo tempo. Temos que fazer o mesmo para a ciência.

Quais são as atividades de divulgação científica desenvolvidas pelo senhor?

Temos um canal de TV aqui em São Carlos, que transmite 24h de ciências, com aulas, shows, programas especiais etc. Além disto, realizamos exposições em locais públicos, shows de ciências etc. Temos uma exposição itinerante de ciência e tecnologia que vai para diversos locais. Também realizamos programas no rádio e na internet. Lancei o primeiro MOOC de física (curso aberto) que conta com 16.000 alunos. Recentemente lançamos, conjuntamente com MoysésNussenzveig, Brito Cruz, Mayana Zatz, Henrique Thoma, E. Colli, B. Barbuy e Eliana Beluso, um programa especial com kits educativos. Achamos que a divulgação da ciência tem agora que ser feita com prática.

Qual a importância de se engajar nesse tipo de trabalho?

Em primeiro lugar, levar ciências para a mesma população que me mantém, é quase que um dever. Segundo, o prazer de fazê-lo. Não faço nada que não tenha meu coração e minha paixão envolvida. Levar ciências a todos é como justificar a necessidade de uma nação em investir nestes temas. Ser capaz de explicar aquilo que faço para todos é fantástico. As pessoas passam a te respeitar pelo valor verdadeiro que você tem e não pelo falso valor ou poder. Meus alunos passam todos pelo mesmo processo. Para trabalhar em meus laboratórios, é preciso estar disposto a dedicar uma pequena fração de seu tempo a todos.

Percebemos que agora que está consolidado seu trabalho de divulgação científica em São Paulo, o senhor pretende levar ao Amazonas. Como esta atividade será desenvolvida?

Eu acredito que devemos levar tudo a todos os lugares. Levar divulgação cientifica ao Amazonas tem nos dado enorme prazer. Somos orgulhosos de ter em nosso território a Amazônia, certo? No entanto, isto não basta, temos que dar a eles tudo que podemos para produzirmos pessoas naquela parte do país dispostos a serem cidadãos plenos e participarem de todo desenvolvimento do pais. Tenho ficado surpreso com a qualidade e entusiasmo dos alunos de lá.

Quais são os principais desafios que um pesquisador brasileiro enfrenta quando se envolve com a atividade de divulgar a ciência?

O grande desafio é tornar ciências um tópico de valor. O grande desafio é fazer todos entenderem que saber ciências é sair do ¿achismo", do obscuro. Um povo que sabe e valoriza ciências é sempre mais esclarecido e motivado para as soluções comunitárias. Temos que fazer todos entenderem que os países ricos são assim porque investem em ciência e não vice-versa. Este é um grande desafio, que vai desde a base até as mais altas esferas.

Que fatores poderiam contribuir para acelerar a divulgação da ciência?

Ser obrigação de todos os cientistas. Se cada um fizer um pouco, o país muda rapidamente. Também acho que faltam museus e exposições de valorização da ciências em todo o país. Isto certamente ajudaria muito. No momento, estamos empenhados, juntamente com a CAPES e o MEC, de ensinar ciências em todos os níveis. Acho mesmo que isto irá mudar muita coisa.

Equipe Popularização da Ciência do CNPq


foto Antonio Carlos PavãoDoutor em Química pela Universidade de São Paulo (USP), Pavão nasceu em Quintana, interior de São Paulo, e é um dos grandes incentivadores do ensino das ciências nas classes iniciais. Desde 1979 é professor da Universidade Federal de Pernambuco, sendo mais de 30 anos no Departamento de Química Fundamental, do qual é um de seus fundadores. Tem experiência na área de Química Teórica, desenvolvendo trabalhos em teoria da ressonância das ligações químicas, supercondutividade, magnetismo, carcinogênese química, catálise, química de quarks e outros temas. Desde 1995 é Diretor do Espaço Ciência, o museu de ciência de Pernambuco, onde desenvolve uma intensa atividade em educação e divulgação científica. É membro da Comissão Técnica do PNLD-Ciências do MEC, do CTC do Ensino Básico da CAPES, do Comitê Assessor de Divulgação Científica do CNPq, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência, dentre outros. Ele deu a seguinte entrevista à aba da Popularização da Ciência do CNPq:

O senhor fez o caminho inverso da maioria dos pesquisadores brasileiros, ou seja, saiu do sudeste e foi trabalhar no nordeste. Por que tomou esta decisão?

Nasci em Quintana, uma pequena cidade no interior de S. Paulo. Quando fui para a capital fazer minha graduação, "vivia doido" para sair daquele agito. Assim, ao término de meu doutorado comecei a procurar um lugar para morar. Naquela época, no final dos anos 1970, um doutor em química podia praticamente escolher a universidade que queria para trabalhar. De fato, eu já tinha convites para algumas universidades no país, mas escolhi ficar em Pernambuco por três razões: uma de ordem política, outra profissional e a terceira, digamos, por sabedoria. A primeira razão é que naquele tempo eu militava num partido ligado à Quarta Internacional Comunista, trotsquista, cujo braço legal era a Convergência Socialista, que tinha o interesse e a necessidade de uma maior inserção no nordeste. Aí entra a questão acadêmica. O Professor Ricardo Ferreira, considerado um dos maiores químicos brasileiros, estava interessado em montar um grupo de Química Teórica na UFPE e me convidou para esta empreitada. Hoje, para orgulho de todos, temos na UFPE um dos maiores e mais atuantes grupos de Química Teórica do Brasil, bastante reconhecido internacionalmente. A terceira razão é que Cesar Lattes dizia que, para ser um grande cientista, só havia duas alternativas: nascer em Pernambuco ou se casar com uma pernambucana. Newton Bernardes, meu orientador e muito ligado a Lattes, repetia isso para mim. Era porque Schenberg, Leite Lopes, Nachbin e outros grandes cientistas nasceram em Pernambuco, e tanto Lattes quanto Newton eram casados com pernambucanas. Resolvi testar esta teoria. Foi daí que cheguei em Recife numa sexta-feira pré-carnavalesca, em fevereiro de 1979. E gostei muito daqui, pelo povo, pela cultura e pela cidade que, com seus nichos, também me lembrava Quintana.

O seu interesse pela divulgação científica teve início em São Paulo ou esta vocação foi despertada apenas em Recife?

Essas coisas não acontecem de uma hora para outra, foi um processo de amadurecimento. Em São Paulo eu já tinha consciência da necessidade de divulgar o conhecimento para o grande público, mas em Recife essa vocação ganhou uma outra dimensão, tanto pelas oportunidades que tive como pelas outras que criei.Quando estava no ginásio, outros colegas e eu, orientados por nossa professora, fundamos um clube de ciências em Quintana. No científico, ganhei uma medalha pelo 3º lugar em uma feira de ciências, o que me marcou muito. Depois disso, fui me interessando cada vez mais por essas atividades. Já na USP, entre 1970 e 1978, nos anos mais feios da ditadura, eu trabalhava em bairros operários em São Paulo. Sob o guarda-chuva de padres progressistas, dava aulas de matemática e ciências. O objetivo principal era fazer a cabeça dos operários para que tivessem uma atuação junto ao sindicato. Nesse tempo, eu já militava na Quarta. Hoje identifico o que eu fazia nesses bairros também como uma atividade de divulgação científica. Procurava levar aquilo que era da academia para essas pessoas, procurava traduzir um pouco daquele conhecimento especializado e transmiti-lo de uma forma mais acessível àquelas pessoas. Em Pernambuco, procurei dar continuidade a esse trabalho. Por exemplo, junto ao Centro de Trabalho e Cultura, uma ONG que trabalha com formação de operários das áreas técnicas, realizava, e realizo até hoje, palestras para operários sobre diversos assuntos, particularmente sobre a origem e evolução da vida e da matéria, onde, naturalmente, há muita contestação, especialmente entre os crentes criacionistas. Entretanto, procuro transmitir a confiança de que a ciência é uma proposta libertadora do homem em todos os aspectos, desde espiritual até material. Na UFPE, comecei a organizar várias atividades de divulgação, incluindo palestras, minicursos, oficinas e até um concurso de poesia para alunos de engenharia e ciências exatas, o Poetar. Mas, o que chamou mais atenção foi a realização das (aqui) famosas Semanas de Química Fundamental e Tecnológica, iniciadas em 1986. Eu era responsável pela organização, como Secretário ¿ o primeiro ¿ da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) em Pernambuco, junto com o professor Paulo José Duarte, um memorável químico industrial que muito me inspirou. Até hoje essas semanas são realizadas na UFPE, uma atividade de divulgação da Química voltada principalmente para estudantes universitários, mas também envolve alunos do ensino médio e de escolas técnicas. Vários os professores de Química e Engenharia química que temos hoje foram estimulados por essas Semanas.

O senhor é considerado um dos divulgadores de ciência mais atuantes do país. Qual a importância de se engajar nesse tipo de trabalho?

A produção do conhecimento é um processo coletivo, social, não é simplesmente fruto de uma mente brilhante, de um gênio, como se mistifica por aí. É verdade que alguns levam a fama: Darwin, Einstein, Pavão..., mas o pesquisador deve ter a consciência de que seu trabalho só é possível porque "subiram nos ombros" de outros. Então, se a produção é social, também a apropriação deste conhecimento deve ser social. Daí que, naturalmente, todo pesquisador deve divulgar seu trabalho, como uma obrigação, inclusive porque o conhecimento só tem valor se é compartilhado. Tenho essa consciência. E qual a importância disso? É que, para o pleno exercício da cidadania, é necessário deter conhecimento em ciência e tecnologia, pois a sociedade a todo instante nos coloca questões que exigem esse conhecimento. Assim, a divulgação científica para toda a população é um imperativo e uma necessidade urgente.

Como se deu a criação do Espaço Ciência, o qual o senhor dirige desde 1995?

Pernambuco teve seu projeto aprovado no Edital CAPES SPEC ¿ PADCT de 1993 voltado para apoiar a implantação de museus de ciência. Os recursos começaram a ser liberados em 1995, quando Arraes assumiu pela terceira vez o governo de Pernambuco e Sergio Rezende foi dirigir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do estado. O Sergio sabia de meu interesse na área de divulgação científica e me convidou para dirigir o Espaço Ciência. O Espaço Ciência havia sido criado em setembro de 1994, como um programa, mas na nova gestão ganhou status de uma diretoria da Secretaria. Inicialmente, ficou instalado em um casarão antigo, alugado, próximo ao centro de Recife e com vários problemas de infraestrutura, dificuldade de estacionamento e outras inconveniências. Queríamos cair fora daquele lugar. Então, literalmente ocupamos a área onde fica hoje o museu, algo parecido com o movimento "ocupe" dos dias atuais. O governador Joaquim Francisco, anterior a Arraes, pretendeu implantar o chamado Parque Memorial Arcoverde naquela área. Foi um projeto polêmico, com protestos de ambientalistas contra as agressões ao ambiente de manguezal da área. Talvez por isso, quando entrou o governo Arraes, o parque ficou sem destino, abandonado. Um belo dia, alugamos um caminhão, deixamos o casarão e aportamos por lá, onde estamos muito felizes até hoje. Passamos a preservar o ambiente de manguezal e a desenvolver um conceito de museu de ciência ao ar livre. Como a área construída que dispúnhamos era muito pequena, passamos a explorar o ambiente de manguezal para atividades de divulgação, além de implantar experimentos em todo o parque. Hoje somos uma referência mundial de museu a céu aberto.

Ao longo do tempo o projeto original foi alterado?

Todo museu de ciência precisa estar sempre inovando, mas em 2005 nossa evolução foi marcante. Com o apoio decisivo e expressivo da Vitae, inauguramos o novo Espaço Ciência, ocupando muito bem toda a área disponível de 120 mil metros quadrados. Com uma configuração inovadora e apoiado num projeto original de Burle Marx, o parque está agora estruturado com dois edifícios, equipados com exposições de alta qualidade, laboratórios e outras facilidades, além de duas trilhas no entorno do Manguezal Chico Science: a Trilha da Descoberta e a Trilha Ecológica.  É por isso que sempre repito: temos em Pernambuco o maior, o melhor e o mais bonito museu de ciência do mundo.

Quais os conceitos de atuação de centros e museus de ciências?

A interatividade é a característica básica de um museu de ciência, mas o essencial é que o visitante saia do museu com mais interrogações do que quando entrou. Historicamente, a ideia de interatividade partiu do hands-on de Franck Oppenheimer nos EUA, mas esse conceito foi evoluindo para o minds-on, hearts-on, social-onexplainers-on, uma expressão que cunhei, sendo que hoje a discussão sobre interatividade ainda continua. Além da interatividade, os museus de ciência devem destacar dois aspectos: a historicidade da ciência, no sentido em que a descoberta teve um autor, um contexto histórico, algo que não pode absolutamente ser escamoteado no museu; e a intervenção social, isto é, ter a consciência de que fazer divulgação científica significa mudar o mundo, construir o bem estar social. Outro aspecto é que o visitante deve se sentir parte do museu. Ele tem que se apropriar do acervo e sair dali estimulado para aprofundar e construir seus conhecimentos em ciência e tecnologia. Assim, no Espaço Ciência, queremos que o visitante seja um pesquisador, que participe de uma pesquisa verdadeira. Temos vários exemplos deste tipo de atividade. Queremos construir um museu de quarta geração, onde o visitante não seja um mero espectador, e sim um pesquisador.

Quais os principais desafios dos centros e museus de ciência?

Acho que ainda somos colonizados, sofrendo uma influência muito forte da Europa e dos Estados Unidos. Existe uma concepção de museu já pronta e hoje não é fácil fugir desse modelo.Temos visto, e saudo com muita alegria, o surgimento de museus de ciência no Brasil. Entretanto, precisamos trabalhar na construção do que chamo de uma "museologia tropical", que não se limite a copiar certos modelos, mas que busque "tropicalizar o hamiltoniano". O primeiro passo seria criticar esses modelos onde o visitante sai satisfeito. Ao contrário, o visitante deve sair insatisfeito. Esses modelos que lamentavelmente têm sido reproduzidos por aqui mais parecem um grande livro aberto onde o visitante aperta um botão ou gira uma manivela, a coisa funciona e daí ele lê a explicação no painel. No final ele sai satisfeito, pensa que aprendeu tudo sobre aquele tema. Ora, esse não é o papel do museu. No museu se aprende, mas este não deve ser o objetivo principal. O museu, sobretudo, deve gerar a indagação. Como falei anteriormente, o visitante deve sair com uma interrogação maior do que a que trouxe. Por isso, o objetivo principal deve ser o estímulo, para que ele próprio se aprofunde nas questões de ciência e tecnologia, tornando-se um agente, e não paciente, na construção do conhecimento. Outro aspecto da "museologia tropical" é valorizar a produção científica local, oferecendo espaços para divulgação da história da ciência e das pesquisas no país. Mas esta nova museologia ainda precisa de muitos aportes dos que hoje trabalham nesta área.

O senhor é vice-presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência, a ABCMC. Qual o papel dessa instituição e o que ela vem fazendo em favor da divulgação científica?

A ABCMC tem contribuído para a ampliação e fortalecimento dos museus e centros de ciência no país, tanto pelas articulações com governos, especialmente com o MCTI, como pelo desenvolvimento de atividades envolvendo seus associados. O catálogo da ABCMC, cuja terceira edição está no forno, já registra centenas de centros e museus pelo país e mostra o progresso que estamos fazendo.

A Unidos da Tijuca foi vice-campeã do carnaval carioca de 2004 com um enredo sobre ciência. Como o senhor se sentiu no papel de "consultor científico" da Escola?

Utilizar um espaço que é visto por bilhões de espectadores é um objeto de desejo para qualquer um que trabalha com divulgação científica. Foi sensacional. O Paulo Barros, o carnavalesco inovador e vencedor, percebeu que ciência também dá samba e agora todo ano continua buscando nosso apoio para qualificar a Sapucaí.

Em conferência na 65ª Reunião Anual da SBPC, em julho deste ano em Recife, o senhor disse que nem mesmo os autores entendem o que eles escrevem em revistas especializadas. Os cientistas não estão preocupados em divulgar suas pesquisas para o público leigo?

A comunicação científica, que no início era em linguagem simples e compreensível para todos, tal como recomendava a Royal Society, hoje tornou-se extremamente complexa e limitada somente a especializados no assunto. Mesmo dentro de uma grande área, é difícil para um pesquisador compreender o que se publica nas revistas especializadas. Divulgação científica então, ao contrário do que faziam grandes cientistas como Galileo, Priestley, Faraday e até mesmo Einstein, ainda não está na pauta da maioria de nossos pesquisadores. Felizmente temos bons exemplos, e eu destaco Roald Hoffmann, nobel de Química, que tem um invejável trabalho nesta área. No Brasil, merece destaque a iniciativa do CNPq de valorizar ações nesta área com a inclusão da aba de "educação e divulgação científica" no curriculo Lattes.

Qual a importância do ensino de ciências nos anos iniciais dos estudantes do ensino fundamental?

A criança é um cientista: pergunta tudo, tem resposta para tudo, é aberta às argumentações, gosta de experimentar, enfim, faz tudo aquilo que faz um pesquisador. É preciso aproveitar essa característica e passar a fazer ciência na escola. Lembrando da lei da transformação da quantidade em qualidade, já pensou na produção que podemos ter com tanta gente fazendo ciência? Seria uma revolução pedagógica.

Os professores desses alunos estão preparados para ensinar ciências?

Muita gente diz que não, inclusive eu já disse isso. Entretanto, o problema é que estamos pensando num ensino tradicional, onde o professor deve saber tudo e transmitir sua sabedoria ao aluno. Quando o professor se rebela contra essa metodologia, típica dos dominadores, e passa a construir o conhecimento junto com seus alunos, aí ele pode demonstrar toda sua potencialidade para ensinar bem, ciências ou qualquer outro assunto.

O senhor acredita que a vocação científica é despertada ainda quando criança?

Claro, como falei, é preciso aproveitar o que já é natural nas crianças: o desejo de conhecer, de experimentar e de criar. Precisamos oferecer oportunidades para que a criança possa perceber o valor e o prazer de fazer ciência.

Equipe Popularização da Ciência


foto Leopoldo de Méis

Leopoldo de Meis

Leopoldo de Meis não é conhecido nacional e internacionalmente apenas por suas pesquisas na área de Bioquímica, mas também pelo seu esforço persistente em tornar a ciência algo compreensível para o público leigo. Médico formado pela Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), professor titular de Bioquímica no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, nasceu em 1938 na cidade de Suez, no Egito, passou os primeiros meses de sua vida no Cairo, a infância em Nápoles, na Itália, e aportou no Brasil com sua família em 1947. De Meis é um dos mais importantes divulgadores da ciência no Brasil. Ele iniciou essa trajetória na década de 50, quando escrevia um suplemento dominical chamado Ciência para o Jornal do Commércio. Na década de 80 criou o projeto Ciência e Arte, que une artistas e cientistas até hoje com o objetivo de estimular o aprendizado de ciência entre jovens estudantes. O primeiro trabalho desenvolvido no âmbito desse projeto foi o livro em quadrinhos O Método Científico, em formato de gibi, que conta a história da ciência e o surgimento do método científico. Depois lançou A Respiração e a 1ª Lei da Termodinâmica ou... A Alma da Matéria, onde percorre a trajetória de filósofos e cientistas em busca de leis capazes de explicar a natureza. O Projeto também lançou os vídeos A Mitocôndria em Três Atos, que detalha o funcionamento da organela, A Explosão do Saber, sobre a expansão do conhecimento, e A Contração Muscular, que trata deste mecanismo orgânico. Ele concedeu a seguinte entrevista para a Aba Popularização da Ciência do CNPq:

Como surgiu seu interesse pela ciência?

Assistindo a uma palestra do Dr. Walter Oswaldo Cruz Filho. Todos os anos fazíamos uma reunião entre estudantes do Rio e São Paulo - a semana de debates científicos -, quando eram selecionados alguns trabalhos para uma reunião mais ampla, com estudantes do Brasil inteiro. Numa dessas reuniões o palestrante foi Oswaldo Cruz, em 1966. Depois da palestra ele anunciou que havia três vagas para Princípios da Iniciação Científica em seu laboratório em Manguinhos, no Rio de Janeiro, e quem quisesse poderia se inscrever. Ele marcou as entrevistas em sua própria casa e, quando cheguei lá, fiquei espantado com a quantidade de candidatos. Todos pensávamos que teríamos que fazer uma prova sobre Hematologia, sua especialidade. Estudei muito, não porque estava interessado em fazer ciência, mas porque vivia numa penúria danada e o salário que ele oferecia era uma fortuna para mim: 3 contos, o equivalente hoje a 300 dólares.

E a prova, como foi?

Ele não perguntou nada sobre Hematologia, não estava nada interessado em nossa vida acadêmica. Ficava mostrando cartoons e piadinhas da revista norte americana The New Yorker e nos inquiria sobre a essência do humor nos quadrinhos. Depois, gentilmente nos dispensou avisando que chamaria os selecionados na primeira etapa. Passou um tempo e ele telefonou para mim e a outros quatro candidatos para um segundo teste, mas agora no laboratório. Vibrei, pois era um dos selecionados. O laboratório possuía uns equipamentos muito complicados e perguntava para que eles serviam. Em vez se tentar adivinhar, declarei que não sabia. Para meu espanto ele balançava a cabeça em sinal de aprovação e pedia para fazer um esforço de imaginação, o que me obrigava a buscar um papel hipotético para a geringonça . Tinha clareza naquele teste que estava mais interessado nos 3 contos de salário do que na ciência. Coisa mesquinha. Pois na verdade, achava que queria ser cirurgião.

E por que o senhor não seguiu a carreira de cirurgião?

Arrumei um estágio no 1º ano em uma enfermaria de cirurgia e em um ano cheguei a ser o segundo auxiliar do cirurgião. Em pouco tempo tinha evoluído bem no aprendizado, mas para meu horror, descobri que ficava com sono durante a cirurgia. Não tinha vocação por aquela linda especialidade médica. Desisti disso porque seria um perigo para os pacientes. Depois fui fazer clínica, ainda como estudante, e tornei a ficar com sono. O sono só sumia quando trabalhava com o Dr. Walter. Depois de cinco anos ele me obrigou a decidir se ia ou não ser pesquisador. Respondi na hora que sim, queria ser pesquisador. O fator decisivo foi o sono que vinha abruptamente na busca de minha possível vocação e lá, no laboratório do Dr. Walter, não tinha sono. Em retrospecto, lembrando o teste de seleção inicial, me parecia que para Dr. Walter fazer ciência eram necessárias umas boas doses de bom humor (o teste dos quadrinhos do New Yorker), e de intuição, para descobrir como funcionava seu equipamento. Com o passar do tempo, passei a concordar com a visão de ciência de meu mestre.

E a divulgação científica, quando teve início?

No fim de 1958, um grupo de cientistas conseguiu um espaço amplo no Jornal do Comercio (1 página inteira) publicada regularmente aos domingos. O resultado desta paródia foi que a bola caiu no nosso colo. Walter chamou em seu gabinete a mim e outro colega, Peter Von Dietich, e com um tom que não aceitava recusa informou "meninos, agora, alem de pesquisadores, vão ser também jornalistas. Tratem de produzir uma página por semana sobre ciência para o Jornal do Commercio". Naquela época o jornal tinha uma boa circulação. Fomos nos apresentar ao chefe do Jornal do Comercio que nos recebeu com uma boa dose de irritação. Não havia espaço para nos acomodar, mas nas 5a feiras tínhamos que lhe entregar a matéria e ir na impressão para conferir a paginação.

O senhor considera que Walter Oswaldo Cruz Filho foi seu incentivador na divulgação científica?

Claro, veja a criação da página do Jornal do Commercio.

O senhor criou um projeto chamado Ciência e Arte. Como surgiu esta idéia?

Coisas estranhas que acontecem com a gente. Já era professor e pesquisador e tinha até carro. Não era de luxo, mas era mais ou menos confortável. Classe média típica. Havia muitos pivetes nas ruas do Rio de Janeiro e todos ficavam assustados quando viam algum por perto. Um dia, parado num semáforo, um deles fazia arte jogando bolinhas para o alto. Mas, antes da apresentação, se preocupou em levantar a camisa para mostrar que não portava armas, no caso gilete que pudesse cortar, machucar. Durante muitos anos sempre fechava a janela do carro ao parar no semáforo, mas naquele dia algo aconteceu comigo, alguma coisa como uma tomada de consciência repentina. Afinal, o que eu estava fazendo era fechar a janela para os meninos pobres do Rio de Janeiro.

O senhor estava sozinho no carro?

Não, estava com minha esposa e comentei com ela logo que arranquei que aquela minha postura era desumana, no que ela concordou. De repente me dei conta de que por muitos anos fechava os vidros do carro com medo de nossas crianças pobre. Foi naquele momento que decidi fazer alguma coisa em prol daqueles meninos.

Alguma idéia já surgia em sua mente?

Não idéias, mas obsessão. Tinha que fazer algo para aquele drama que só então me dei conta. Tornou-se importante para mim pelos menos aliviar aquela sensação horrível de culpa que só então me tinha dado conta. Ficou clara que tinha que ser algo que eu sei fazer em um grau aceitável, isto é, Ciência e dar aulas não convencionais.

Ir onde estava o problema, ou seja, nas favelas, não era uma boa opção?

Ir para as favelas e pregar não eram do meu feitio, era preciso fazer alguma coisa de prático. Tinha que fazer uma coisa que soubesse fazer bem, ou seja, ensinar e pesquisar. Decidi então, junto com meus estudantes de pós-graduação, fazer um curso experimental para meninos de baixa renda. Escolhíamos um tema como por exemplo a fotossíntese. As turmas tinham cerca de 30 alunos cada. Os atores principais eram os próprios jovens que tinham que embolar e realizar experimentos. 

E hoje, qual o estágio da ciência brasileira?

A nossa ciência já pode ser considerada de 1º mundo, somos muito menos que os Estados Unidos e Japão, mas não somos mais minoria em número de cientistas. A ciência brasileira hoje é respeitada em todo o mundo e ocupamos a 12ª ou 13ª posição no ranking de produção científica. Mas na educação, não, estamos na rabeira. Esse ainda é um dos nossos problemas. Nossa posição no ranking internacional de educação, nos comparamos talvez com a república dos Camarões. Alguns fazem ciência, muitos educam, mas a educação que dão é incompetente e por isso não conseguimos nos classificar como bons educadores.

Mas, voltando ao assunto do projeto Ciência e Arte...

Criei um curso, juntamente com estudantes de pós-graduação, nas séries escolares. Cada um de nós ia para as escolas explicar o que era o curso, que nós pagaríamos a alimentação e o transporte. Esperávamos uma meia dúzia de interessados, mas para a nossa surpresa veio uma avalanche de estudantes afirmando que queriam fazer o curso. Formamos grupos de 30 alunos e ministrávamos o curso nas férias escolares, durante uma semana, nos laboratórios de pesquisa da Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Eles ficavam impressionados, colocavam a melhor roupa que tinham porque, afinal, iriam para a universidade.

Como eram esses cursos?

Eles chegavam ao laboratório com lápis e papel pensando que iriam assistir a uma aula, mas não havia aula alguma. Escolhíamos um tema, por exemplo, fotossíntese. Iniciávamos dando uma aula trote, ou seja, uma alua fictícia, ensinando tudo errado. Depois sugeríamos que não acreditassem em tudo que ouvissem porque isso não significava que os locutores eram bons no que estavam falando. O objetivo era mostrar a eles que alguém falar bem, de voz alta, não significa que esteja transmitindo conhecimentos corretos. Depois dividíamos os alunos em grupos e os estimulávamos a descobrir algum aspecto fotossíntese. Os jovens meninos (15 a 20 anos de idade) se mobilizavam. Iam ao jardim, colhiam algumas plantas, colocava em frente a luzes de cores diferentes, faziam o que quisessem para descobrir o que é fotossíntese. Os monitores ficavam apenas orientando onde estava o equipamento que pediam. Ao final do curso, sempre convidávamos algum cientista para falar sobre o tema que estudaram, e os alunos, que já conheciam o mínimo do assunto, faziam perguntas bem interessantes.

Esses alunos, depois do curso, manifestavam algum interesse em continuar fazendo pesquisas?

Sim, muitos deles. Diante do interesse manifestado, acabei por criar vagas de assistente de pesquisa para eles trabalharem com estudantes de pós-graduação. Eles eram entrevistados e os selecionados ganhavam uma bolsa equivalente ao que eu ganhava quando era assistente de Walter Oswaldo Cruz. Iam dois dias por semana aos laboratórios da universidade e muitos deles se tornaram cientistas. Com essa iniciativa acabávamos matando dois coelhos com uma só cajadada: o estudante de pós-graduação aprendia com o assistente o que era o outro lado da vida, a vida dele na favela, enfim, uma sociedade que ele não conhecia; do outro lado, o pós-graduando mostrava ao menino o que era ciência e também o ajudava em suas dificuldades nas tarefas escolares. Só no meu laboratório, desses jovens carentes assistentes que passaram por essa experiência, mais de 60 se tornaram mestres, doutores e professores universitários, o que é muito recompensador e comovente.

Essa iniciativa se espalhou para outras instituições?

Sim. O professor Vargas, da Universidade de Minas Gerais e funcionário do Banco do Brasil, soube do trabalho que realizávamos e nos ofereceu dinheiro - pouco é verdade - para que difundíssemos o projeto em outras unidades do ICB - Instituto de Ciências Biológicas. Cerca de 8 ou 10 grupos ficaram interessados, um deles coordenado pelo cientista Roberto Lent, e que continua até hoje desenvolvendo atividades de divulgação científica. Quando o dinheiro acabou, nenhum grupo deu continuidade às atividades, exceto o grupo de Lent.

O senhor não conseguiu outra fonte de financiamento para dar continuidade ao projeto?

Depois disso, apareceu o "Vita", um órgão internacional que financiava artes, ciências, educação e junto com o Prof. Paulo Arruda e outros fomos bater à porta da fundação e fomos muito bem recebidos e contemplados com uma quantia substancial de dinheiro.

Essa parceria durou até quando?

Tempos depois fomos chamados à Fundação e fiquei surpreso com a notícia de que a instituição estava encerrando suas atividades no Rio de Janeiro e que tinha que gastar em curto espaço de tempo todo seu orçamento em projetos que obtiveram sucesso na época. Perguntaram a mim e ao Paulo se estávamos disposto a ampliar o programa e ficamos espantados porque também nos perguntaram: "quanto os senhores querem para formar mais 10 grupos? " Ficamos atônitos. No meu caso nunca ninguém me perguntou quanto que eu queria. O normal era perguntar quanto o mínimo eu precisava. Pensei um pouco e disse de chofre que precisaríamos de 1 milhão, sem acreditar no que tinha falado. Mas a resposta foi positiva e mais ainda, pagaram tudo que pedimos. Assim, foram formados mais 10 grupos pelo país. Hoje, há uma rede com mais de 40 laboratórios trabalhando em todos os estados brasileiros, que se reúnem anualmente para discutir idéias e projetos.

 

Equipe Popularização da Ciência
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